segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Vice-Procuradora-Geral da República, Déborah Duprat: suspender demarcações não resolve questão indígena


A vice-procuradora-geral Deborah Duprat esteve na Capital para participar do 11º Encontro Nacional da 6ª CCR, que aconteceu pela 1ª vez em Mato Grosso do Sul.
Ela conversou com a reportagem sobre a questão indígena no Estado, que conta a 2ª maior população indígena do país (70 mil pessoas segundo a Funasa), que enfrentam problemas graves como os mais altos índices de suicídios, mortalidade infantil e homicídios do país.
Duprat é coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal e defende a resolução do conflito de terras indígenas e acredita que suspender a demarcação não resolve o problema.
A vice-procuradora-geral da República também defende escutas em presídios federais por entender que presos de alta periculosidade não podem ter livre comunicação.
“Não se pode ignorar a questão da segurança pública. Agora mesmo, nesses episódios no Rio de Janeiro, há a possibilidade de que parte desses presidiários sejam transferidos para o presídio federal. Já sabendo de antemão o grau de periculosidade deles, permitir que tenham acesso indiscriminado ao mundo exterior, é colocar em risco a segurança da população e isso precisa ser levado em conta por todas as instituições”, acredita a magistrada.


Leia na íntegra a entrevista concedida do Midiamax:

Midiamax: Uma das questões que causa maior impacto na mídia nacional e internacional envolvendo o Estado de Mato Grosso do Sul é a questão indígena e de disputa de terras entre fazendeiros e índios. Recentemente, nos foi entregue um relatório sobre o assunto onde foi possível perceber que a comissão avaliou situações críticas da vida dos indígenas em MS. Qual é o principal cerne da questão?

Deborah Duprat: O cerne da questão certamente é a identificação e demarcação de terras. Como vai se fazer em relação a produtores rurais é uma outra questão. Agora que tem que se enfrentar a questão indígena, não resta dúvida.

Midiamax: Quais seriam as formas de resolver?

DD: Não adianta supor que esse conflito se resolverá deixando a demarcação em suspenso, como está se pretendendo fazer por meio de recurso à Justiça, por meio de inviabilização da atividade da Funai. Ele poderá ficar suspenso, mas não será resolvido.

Midiamax: Essa suspensão traz consequências então?

DD: Sim. Inclusive, a própria questão dos suicídios, que durante algum tempo se supôs que fosse um traço cultural daquele grupo, hoje há fortes indícios de que essa questão está associada à insuficiência de terras. A reserva de Dourados é talvez a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo.
Essa reserva foi estabelecida no início do século passado com o propósito do confinamento mesmo, onde os índios deviam ser confinados até estarem prontos a integrar esta sociedade de grande formato. Esta era a concepção das reservas, não era uma opção de criar um espaço territorial digno. A reserva de Dourados é a coisa mais indigna que existe.

Midiamax: Nosso estado tem um perfil ruralista bastante forte. A Sra. acredita que isso atrapalha as negociações entre o Governo, fazendeiros e indígenas?

DD: Eu acho que há uma incompreensão geral desta questão no Estado. O Judiciário talvez seja o poder mais carente de informações. Não digo o Judiciário local, mas o Tribunal Regional Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal estão muito distantes.
Talvez se tivessem uma compreensão maior do que é o drama das populações indígenas aqui, não teriam essa resistência. Esse distanciamento, a pouca informação e a inexperiência na questão indígena formam um consórcio contrário à solução dessa questão no estado. É preciso um trabalho de esclarecimento junto a essas instâncias.
Acho que o Poder Executivo Federal, no longo tempo em que pude acompanhar a questão no Ministério da Justiça, tinha esse empenho de que os grupos de trabalho concluíssem a sua missão, até para se saber exatamente o tamanho do problema. Na verdade ainda não se sabe qual o tamanho do território que cabe aos índios, quais são os proprietários atingidos, se são grandes ou pequenos, o quanto isso compromete a questão territorial de Mato Grosso do Sul. Nós não temos nem esse diagnóstico, porque os trabalhos (de identificação de terras indígenas) estavam inviabilizados.

Midiamax: No relatório, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado estadual Jerson Domingos sugeriu a criação de um fundo administrado pelo governo estadual mas financiado pelo governo Federal ou troca de terras apreendidas numa espécie de permuta. Qual a sua visão sobre essa ideia?

DD: Eu não tenho nenhum problema com uma solução que resolva a questão indígena. Eu acho que nós temos um problema jurídico que precisa ser analisado. Se ele vai ser resolvido por uma emenda constitucional, por um entendimento jurídico diferenciado, isso é outro lado. Eu acho que é preciso resolver a questão indígena. Esse é um compromisso que vem da Constituição Federal e de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Midiamax: A disputa de terras em MS já teve contornos trágicos. Em Paranhos, há um ano dois professores foram mortos em Paranhos (MS) sendo que o corpo de um deles ainda não foi encontrado. Segundo os índios, a morte foi de autoria de seguranças da fazenda e o caso ainda não foi resolvido. Qual o posicionamento do MPF diante desses fatos?

DD: Isso é de extrema gravidade. Primeiro que não temos um diagnóstico da violência contra os índios: quantos índios estão presos, onde eles estão. Eu li em uma publicação que, só em Amambai, a população carcerária indígena chega a quase 40%, sendo que os índios representam menos de 1% daquela sociedade. Esse é um lado. O outro é a impunidade dos agressores. Esse é um quadro que diz muito a respeito do Judiciário local, tanto federal quanto estadual. Então, há um concurso de fatores, sendo que o principal deles é esta visão de que quem age contra indígenas não deva ser punido.

Midiamax: Como evitar que esses conflitos aconteçam?

DD: Pela demarcação de terra.

Midiamax: Sobre os presídios federai, recentemente houve acusação por parte da OAB/MS por escutas ilegais no presídio federal. Na ocasião, o procurador-chefe do Ministério Público Federal, Dr. Blal Dallou rebateu as acusações e considerou o sistema prisional como hipócrita.

DD: A posição do MPF é que as providências que foram adotadas pelos colegas de Mato Grosso do Sul são as mais pertinentes. O presídio federal já é um retrato da periculosidade do réu, que não pode ser desprezada. Eu sou uma militante dos Direitos Humanos, acredito nos Direitos Humanos dos presos, acho que não se pode perder esta perspectiva. Mas em relação ao presídio federal não se pode ignorar a questão da segurança pública. É preciso ponderar este dois valores.

Midiamax: A Sra. também defende esse tipo de escutas? Em que sentido as escutas podem ser legalizadas?

DD: Eu acho que a escuta, neste caso em que está evidente a possibilidade de grave risco para a população, ela precisa ser tida como uma providência absolutamente legítima. Agora mesmo, nesses episódios no Rio de Janeiro, há a possibilidade de que parte desses presidiários sejam transferidos para o presídio federal. Já sabendo de antemão o grau de periculosidade deles, permitir que tenham acesso indiscriminado ao mundo exterior é colocar em risco a segurança da população e isso precisa ser levado em conta por todas as instituições.

Midiamax: A oposição às escutas usa o argumento de que a prerrogativa dos advogados estaria sendo ferida?

DD: É preciso separar. Uma coisa é uma conversa legítima entre advogado e preso. É uma garantia fundamental que não pode ser violada. É diferente quando há indícios de que o advogado é ao mesmo tempo um interlocutor da atividade criminosa. Neste caso, estamos falando de crime e não de prerrogativa institucional.



28/11/2010 18:00

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